6 de fevereiro de 2010

CURUPIRAS ÀS MARGENS DO RIO IPANEMA



Sob o olhar da coruja campeira no beiço do rio Panema em Santana do Ipanema - AL


A parte esquerda do Panema tinha a lenda do Caapora por Curupira, a parte direita de Curupira por Caapora. Aquele elementar de pés para trás montado em outro ser tido por aspectos de porcos, como disseram os pescadores naquela noite de lua. De onde se encontravam poderiam ver caaporas foragidos à moda Josey Weles http://www.youtube.com/watch?v=tqV-QKj5RcY&feature=related com imagens que se transfiguravam ante os olhos de caçadores de peixes em noite de luar. Os sons das montanhas que circundam Santana do Ipanema, no Sertão de Alagoas, tremiam. Naquela noite de Curupira Caapora, os pescadores pescaram mais peixes que o rio Ipanema em Santana jamais demonstrara ter tantos de variados lotes, tamanhos, cores, larguras, nomes, barbatanas, espinhas, escamas, olhos, rapidez e sabor.

Pescador e cachaça são amigos de farra de longas datas e histórias de trancoso desde a época de Antônio Trancoso, um mentido em mentiras nascido e criado nas nove ilhas dos Açores, dado açoriano, português cansado. Cada pescador uma cuia de cachaça e outra de iscas. O Curupira vinha sentar-se ao lado dos pescadores do Panema, o povo vendo-o prosear com pescadores e apontar locas de pedras onde repousava peixe gordo, e apontando panelas e funduras importantes.

Um delegado, que passou por Santana do Ipanema, quis aprisionar o Curupira Caapora Caipora para expô-lo em ambientes sociais; mas, aquele se viu e se desejou às artes dos elementais que circundam as águas escuras do Panema. Esta espécie de duende, que originou o próprio Hulk das histórias em quadrinhos, seriados de tevê e filmes, ainda se exibe protetor de floresta e vigia de certas faunas.

Curupira Caapora Caipora é o mesmo Caiçara dos tempos encobertos do Brasil. Um elementar vivido para proteção dos habitantes da flora e dos bichos que andavam e andam nela, os que se arrastam e os que voam por sobre as árvores. Este Mãe-e-pai-do-Mato de tamanho de criança e travessuras assemelhadas, os seus cabelos são de fogo e os dentes de água. Foi Curupira primeiro protetor da natureza, do ecossistema e da biodiversidade.


Um caapora é visto neste carnaval na beira do Panema em Santana do Ipanema - AL


O dia em que Candinho, ao alimentar os seus burros Perigo e Persigo na beira do Panema, se foi afugentado por um Caipora, subiu em desembestada carreira morro acima nos serrotes de Santana do Ipanema, e os jegues o acompanhavam aos relinchos de "sai da frente que o coisa pega nós!" Candinho largou o panelaço de peixe que fazia pra ele e amigos no beiço do Ipanema; a cachaça se derramou, o fogareu bebeu a sopa de cascudo. Do fogo encantado saltou a figura montada em brava, rápida e cruel figura. Só se ouvia o chiado do panelaço de chupa-pedras sendo salvo pela Curupira Caapora Caipora Caiçara Anhangá.



Padre José de Anchieta escrevendo nas areais grossas do rio Panema em Santana do Ipanema - AL

Quem primeiro registrou à Europa o Curupira Caapora Caipora, que é o mesmo Caiçara ou Anhangá. Em Anhanguera e no Anhangabaú foi o velho dramaturgo escritor, o que escrevia nas areias porque raro era o papel, não tão raro o papiro, o pergaminho e a argila. Padre José de Anchieta, o Anchietinha Poeta, em seus registros de 1560, escreveu nas areias grossas do rio Ipanema as travessuras da lenda do Curupira Caapora Caipora Caiçara. Chegaram alguns em sua toca, latanhados, “no mato dando-lhes açoites e ferindo-os” (sic), segundo o Pe. José de Anchieta.




Os pescadores da beira do Panema que desacreditaram nas conversas do Curupira foram transformados em peixes na mesma hora e pescados por outros pescadores e devorados assados, ali, às margens do rio Ipanema. Os mesmos poderes do Saci tem o Curupira, que anda montado em um bicho tão feroz quanto veloz, que ganha o mato entre os avelós onde dormem as corujas.

5 de fevereiro de 2010

PANELAÇO DE PEIXE DO PANEMA




Com este meu computador no celular sobre a mesma mesa onde espalho os livros de minha preferência. Estou novamente, aqui, na Biblioteca Pública Municipal de Santana do Ipanema lendo o que gosto de ler e, quando me canso, atualizo sobre as mais variadas temáticas do rio Ipanema. As paneladas de peixes que se escondem nas locas de pedras, a areia, o jogo de bola, os banhos no Panema, as cheias de urubus, as lavadeiras que derramam toda a espuma de sabão de suas roupas nas poças d’águas escuras.

Daqui, desta cadeira na Biblioteca Pública Municipal de Santana do Ipanema, Biblioteca Breno Accioly, escuto os barulhos da cidade, os passos de seu povo, as suas vozes, os seus anseios impregnados nas estantes desta biblioteca vazia de estudantes. E a recepcionista me olha como quem quisesse confessar o seu cotidiano entre as histórias das páginas amareladas dos livros esquecidos nas prateleiras deste salão em forma de biblioteca. Próxima está a Prefeitura ao centro da principal avenida de Santana do Ipanema. As ruas asfaltadas contrastam-se com esqueletos de barros e pedras.

No fim da ladeira, do alto desta biblioteca, estica-se a praça da cidade defronte a Matriz Senhora Sant'Anna. Ali, a festa da padroeira se espalha com suas músicas e jogos, comidas de vendedores ambulantes e carros de pipoqueiros. E eu continuo, aqui, na Biblioteca Pública Municipal de Santana do Ipanema; aqui, converso com todos os seus escritores. Imagens de peixes cascudos e do Ipanema.

Destas águas escuras e cercadas por pedras vigilantes repousa o rio Ipanema que, com esforço macho, chega ao rio São Francisco e, nele, despeja a sua força, a sua história. Essas águas são as águas que sobram das ancoretas, águas salobres do Ipanema, água panema que escorre de ancoretas em lombo de burros trôpegos.




4 de fevereiro de 2010

ÁGUA SALOBRA DO IPANEMA EM ANCORETAS NO LOMBO DE BURRO


ancoreta (ê)
s. f.
1. Diminutivo de âncora.
2. Barril de forma achatada para transportar vinho ou aguardente. Em Santana do Ipanema carregava água salobre.

salobre (ô)
adj. 2 gên.
adj. 2 gên.
1. Que tem um certo gosto a sal.
2. Diz-se da água que tem gosto desagradável e é derivada de algum rio.


rio (latim vulgar rius, do latim rivus)
s. m.
1. Grande curso de água natural, quase sempre oriunda de serrotes, pé de serras e derivados, que recebe no seu!trajeto águas de lágrimas de virgens colinas e ribeirinhos ou ribeirões, riachos, olho-d’águas e deságua em outro curso de água, morre no pântano, no lodo, na poluição ou, com esforço, chega para alimentar outro rio para, por fim, morrer no oceano sedento.
2. Figurado - aquilo que corre como um rio ou a ele se assemelha.
3. Grande quantidade de líquido.
4. Grande quantidade de qualquer coisa vital.


Tangedores de Burros Carregados de Ancoretas de Madeira Cercadas por Arcos de Ferro ali Transportam Água Salobra das Cacimbas do Rio Ipanema

– Torce Prissigo! Troce Pirigo!
Como está no livro “NÃO”
Escrito por um santanense
Os tangedores de burros
Invadem Santana de água:
– Torce Prissigo! Troce Pirigo!
Eles transportam alegria
Pelas ruas de pedras do Sertão.

– Torce Prissigo! Troce Pirigo!
Candinho, filho de pais malês,
Condutor de jegue em Santana
Nem se lembra mais dos pais
Fugidos da Revolta Malês em Salvador
Entre os dias 25 e 27 de janeiro de 1835
Candinho caminha por Santana
Sobe as ladeiras da cidade
Os burros são fortalezas
Cada jumento com ancorotas
Um asno com quatro barricas
Cheias d’água do Panema
Ancoretas velhas pingam
Faz-se um rastro d’água
A areia molhada, o barro, as pedras

– Torce Prissigo! Troce Pirigo!
Graças a Candinho e outros
Tangedores de burros d’águas
Eles venceram subidas e morros
Santana do Ipanema, em Alagoas
Uma terra sertaneja e madrugadeira
Eles param num boteco. Candinho
Pede pinga. Bota mais uma, seu moço;
Dois dedos de aguardente num copo de vidro grosso
Pra segurar o repuxo: – Torce Prissigo! Troce Pirigo!

E as cangalhas dos jumentos, dos burros encangalhados
Tombam, balançam as cangalhas dos jegues nas ladeiras
– Torce Prissigo! Troce Pirigo!
No fim do dia, os tangedores de asnos estão tombando
Como besouros tontos; como mostra esta fotografia
Do famoso Burro Água Salobra.

O único medo de Água Salobra é o medo das onças-de-bodes; aliás, e dos amarelos que andam nas ruas de Santana do Ipanema assobiando.

3 de fevereiro de 2010

O RIO IPANEMA E A ONÇA-DE-BODE




Um amarelo descia uma das ladeiras do Panema assoviando esta modinha para ver se descobria no meio das carrapateiras uma amarela dos beiços de fulô. Ou, quem sabe, esse amarelo quisesse só assobiar:


HELENA TENS UMA ISCA FORTE

Eu me encontrei com Helena
Ela igual a da guerra de Tróia
Plantada na porta do cinema
E olhares cheios de tramóias
Helena vem vamos falar agora
O que está escrito está escrito
Já bebi cachaça em pote e pote
Já bebi cachaça em litro e litro
Se é pra beber cachaça Helena
Eu bebo até em seus cambitos

HELENA TENS UMA ISCA FORTE



Continuou o amarelo descendo as ladeiras de acesso ao rio Ipanema como se caçasse o que fazer, quando se deparou com Ona-de-bode. E a paisagem perdeu a coloração. As três irmãs de Helena, a menina e o cão Preguiça, a areia do rio, o mato em volta e a tripa de rio que espelhava o céu novamente sem nuvens desde a última seca ficaram em branco e preto. As bacias de plástico compradas na feira de rua na frente da Matriz Senhora Santana se descoloriram ao ronco da Onça-de-bode.


Estava a onça-de-bode se esquivando na vegetação que margeia o rio Ipanema. Toda prosa. Ela própria tinha o poder de se encantar, o poder em transformar a paisagem de colorida em preto e branca, um poder enigmático em assustar outros seres e se quisesse se invultar em outro bicho. A onça-de-bode, comum nas cercanias de Santana do Ipanema, AL, olhou o dia e ouviu o canto da acauã.